sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ponto final

sento um pouco num bar de esquina. admiro o garçon prestativo que me vem atender. um chope, com colarinho, por favor. é novato, muito melhor que o garçon preguiçoso que ele parece substituir. o chope chega. a rua tem muito movimento de passantes. não me surpreendo quando verona senta em silêncio. olhos vivos grandes de sempre, mas parece claro que ela chorou. os olhos verdes brilham como sempre. olhos jovens, de menininha, que dão juventude àquela mulher de 35 anos. o garçon se aproxima, ela pede uma dose de conhaque. estranho, ela que não bebia nem champagne em passagem de ano. agora essa. olho pra ela sem olhar realmente. vamos resolver isso de uma vez? ela não fala, olha de volta. pergunto se está tudo bem. tudo, tudo bem. preciso lhe falar. mais um gole do chope geladíssimo. penso, não sei porquê, nos filmes de oeste americano. o caubói entra, pede uma bebida. nesses filmes, dificilmente haverá mulheres que peçam conhaque. o garçon estranharia. isso lá. verona vira quase metade do copo. estou com outro cara, diz. hummm, o sussurro desinteressado foi toda minha reação.meia hora antes, o cinema. não saí exatamente triste do filme de woody allen. recostei a cabeça um pouco mais no banco, olhei ainda um pouco os créditos, e saí finalmente. parei na banca de revistas, comprei chicletes. um senhor de 46 anos mascando chicletes é meio ridículo, mas não resisto a velhos vícios. andei calado ainda algum tempo. ela – verona – estava na minha cola desde antes do filme. fingi não a ter visto. e andei um pouco para pensar no desdobramento de “match point”. a questão da sorte colocada pelo diretor. a trilha de ópera do filme. o trecho de fantástico quando os mortos aparecem para conversar.embora me revele a existência de outro homem em sua vida, até outro dia verona não aceitava a nossa separação. não adiantava dizer que eu também sofria muito com a decisão de sair de casa. havia uma outra pessoa na história, uma outra mulher, é verdade. mas não é essa pessoa o motivo do meu divórcio. depois de um ano de brigas quase diárias é difícil querer ir pra casa. casei apaixonado, louco de paixão. mas em cinco anos o prédio da instituição casamento ruiu, pelo menos para nós. tentei várias vezes resolver os conflitos de forma que o relacionamento fosse salvo. não foi possível. paciência. a vida continua. estou com outro cara, recordo ela falando. verona me encarou mais uma vez. colocou o dinheiro do conhaque sob o copo, como nos filmes. saiu andando até sumir na escuridão. voltei a pensar no filme de woody allen.acho que é um bom momento para ter um outro filho.

(maio de 2006)

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