quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Love doll: modelo D-1056

Sim, queria. Quando ela me disse que estava indo embora, eu quis apertar e torcer o seu pescoço alongado. Foi uma surpresa. Até antes daquela conversa, eu me achava. Nunca poderia passar pela minha cabeça que em algum dia, em algum lugar, ela poderia deixar de ME amar. Para mim a sua devoção incondicional e diária até o fim dos meus dias era algo tão certo e imperturbável quanto a lei da gravidade. Sabe quando a gente solta uma maçã e ela vai direto pro chão? (Um piano solto de um edifício ilustra melhor e tem maior impacto.) Mas o tempo passa. E aquela menina bela, de olhos grandes e negros, olhos que já foram a delícia dos meus dias, desviaram de seu curso normal. A ponto de ela secar ali tudo que tinha sentido um dia por mim. O vidro se quebrou. E os olhos que sempre me olharam com amor, paixão, cuidado, tornaram-se olhos que me olhavam sem saber onde focar. E ela chorou enquanto falava. Minto. Não quis torcer o seu pescoçinho bem feito, moreno. Não nesse instante. Quis, ao contrário, tocar o seu rosto, abraçar o seu corpo, beijar cada um dos seus dedos da mão, pedir que não fosse embora. Ainda não tinha tocado nela. Mas não me importei em pedir muito e insistentemente: “não vá”. NÃO. Repeti um bilhão de vezes: “Eu faço tudo que você quiser que eu faça”. “Eu faço tudo que você quiser que eu faça”. “Eu faço o que você quiser”. Prometi o que podia cumprir e o que não podia (e pensei que o que não pudesse, daria um jeito de fazê-lo). Não me arrastei pela sala, ou da sala até o quarto, ou do quarto até o inferno; não ajoelhei, não beijei seus pés. (Confesso que se adiantasse alguma coisa, teria feito isso e ainda mais). Sob meu mais dramático protesto, ela manteve sua resolução e se dirigiu à porta da rua, foi saindo. Devagar. Inabalável. Resolvida. Ela, sua mala de rodinhas, suas grandes pernas, seus cabelos cheirosos, sua fragrância de água de cheiro. Foi aí que eu me transformei. Uma revolução se passou dentro de mim. Puxei-a pelos seus cabelos longos com violência. Com o susto, ela caiu desengonçada diretamente em meus braços. Senti seu peso. Seu assombro e surpresa eram visíveis. Avancei até o pescoço macio e usei toda a força das minhas mãos e braços...

Ainda bem que ela é um modelo avançado, uma Doll D-1056. Ajustei sua programação, como ensina o manual, e reiniciei o sistema. Em alguns minutos, ela abriu os olhos. Depois sorriu para mim. Isso foi há um ano. Nunca mais ela voltou a dar problema.

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