segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Vinte anos

Marcelo não estava assim tão atrasado para aquele encontro. Velhos não vão a encontros, pelo menos não deveriam. A neta, de 16 anos, tira sarro: “Vovô está parecendo o Mel Gibson”. Ele rebate, humorado: “Negros não se parecem com brancos, meu amor. Se ainda fosse o Danny Glover ou o Sidney Poitier, vá lá”. A menina ficou perdida, Danny Glover... Danny Glover... Não fazia a mais remota idéia de quem era. Só conhecia o Mel Gibson por acaso, por causa de um velho filme que sua mãe assistia repetidas vezes. Marcelo era o tipo de homem determinado. Morava com a neta e o filho viúvo. Era professor aposentado. Um amante de filmes e de música. Não se cansava de procurar uma companhia para estar com ele nos seus dias restantes. Até à internet recorria. Afinal, pensava, estava inteiro, 70 anos recém completos. “Procuro senhora recatada para relacionamento sério”. Pôs diversos anúncios em jornal e sites de relacionamento. Para sua surpresa, encontrou essa mulher num cinema. Chamava-se Catarina. Ela pediu orientação: “O senhor sabe como eu faço para chegar à avenida ***”. Com endereço à mão, desistiu de chegar à tal avenida. E resolveu aceitar o convite do simpático senhor para um café. Não falta assunto a duas pessoas que se querem conhecer, jovens ou velhos. A conversa transcorreu bem. Neste primeiro dia, o cinema dominou a pauta, mas também miudezas sobre a cidade de Salvador, onde viviam. No encontro seguinte, puderam conhecer melhor um ao outro. Ele descobriu que Catarina, 62 anos, é uma arquiteta aposentada. Tem duas filhas e quatro netos. Passou por dois casamentos. Mora sozinha, depois da última separação há um ano e meio. Desde então, viajou com as filhas para a Itália, velho sonho. E toca sua vida, vai ao cinema, lê livros, passeia com as netas. É tão independente quanto sempre foi. Cuida da horta de casa, cozinha por prazer, organiza encontros com algumas amigas que sobreviveram aos anos. Marcelo gostou dela imediatamente. “Ela me pareceu educadíssima desde o primeiro momento. E muito tranqüila ao falar”. Começaram a se encontrar com regularidade. Com quatro meses, o maior atrevimento a que ele se permitiu com ela foi beijar sua mão na chegada e saída de cada encontro. Um dia, ele fez a pergunta a essa altura trivial: “Nos vemos na quinta?”. Sim, claro, foi o que ela respondeu. Mas ainda na quarta à noite, ela ligou desmarcando o encontro do dia seguinte. “Viajo amanhã para o Sul. Soube que vai nascer o meu primeiro bisneto. Quero estar presente para ajudar”. Ele quis saber quanto tempo ela ficaria fora. “Uma semana, dez dias no máximo”. Depois de longos vinte e dois dias, ela retornou. O aguardado bisneto nasceu, mas houve complicações que obrigou a equipe médica a ter certos cuidados nos primeiros dias. Quando tudo estava bem, Catarina pode retornar. Nesse período, ela falou ao telefone com Marcelo quase todos os dias, por e-mail, sempre. Com ela de volta à Salvador, marcaram de se reencontrar no mesmo café da primeira vez. Ele caprichou no visual, se perfumou. Foram a um café próximo ao cinema. Não era mais o mesmo filme em cartaz. Também eles estavam diferentes. Marcelo foi atrevido e pediu um abraço. Catarina acedeu. Foi um enlace terno, macio, demorado, aconchegante. Depois disso, o café, o cinema. Ele a levou em casa. Despediram-se e antes que ele fosse embora, ela olhou adiante e sorriu. “Acho que estamos namorando...”. Ele tomou suas mãos, beijou sobre os seus dedos, sorriu: “acho que sim”. Marcelo foi para casa e dormiu a sua melhor noite. Era como se voltasse a ter vinte anos.

[Agosto de 2009]

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