quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Papo reto em linha reta

Feito especialmente para a pequena Beatriz, que tem 10 anos.


Sou uma menina grande
Neste mundo tão pequeno
Sou um pequeno mistério
Neste planeta gigante

Ouço falar em histórias
Em casos muito importantes
Alguns eu ouvi na escola
Outros, em livros da estante

Meu pai me conta umas coisas
Os amigos também falam
Gosto de tema intrigante
De casos surpreendentes

Como, por exemplo, as guerras
Que é um tema delicado
Que envolve sofrimento
Que envolve vários lados

Soube de várias contendas
Governante contra povo
Povo contra governante
Em diferentes lugares

Ouvi falar em heróis
Gente boa, gente má
Alguns merecem cartaz
Alguns, o esquecimento

Meu pai diz que não importa
Pr’ eu sempre desconfiar
Os heróis podem não estar
Dentro de um livro de história

Tem gente desconhecida
Que não usa ultravisão
Que não gasta superforça
Não amassa caminhão

Não corre, não pula, nada
Não assovia, não voa
Mas são bem heróis naquilo
De se importar com as pessoas

Pai que ama, mãe que ama
Filho que vale o que come
Amigo que mostra prova
De que é digno do nome

Tem também herói anônimo
Que trabalha numa causa
Tem muita coisa que vale
Neste mundo grande, imenso

Para terminar este papo
Quero dar uma boa dica
Nem tudo que andam falando
É certo, errado ou intriga

Melhor que sair seguindo
O que todo mundo diz
É ter opinião própria
Ser dona do seu nariz

Mesmo que sua opinião
Coincida com a de outros
Mesmo que essa razão
Seja contrária à de todos

No fim, o que vai importar
Na boa, sinceramente
É ter personalidade
E ser leal ao que sente

Afinal, já despedindo,
Depois de tanta conversa
Tanto papo em linha reta
Agradeço o seu tempo

Um beijo na minha família
Um abraço nos amigos
Aperto de mão de longe
Naqueles que não conheço

Agradeço a paciência
Agradeço a atenção
Um beijo lançado ao alto
A todos, de coração


terça-feira, 5 de junho de 2012

Onde anda Ananda


Olha onde anda, Ananda
Olha como é bom aqui
Olha os pezinhos na areia
Olha, o sol sobre ti
Olha a cor do vestido
Olha, é a cor do caqui
Olha, sorvete gelado
Olha como é bom curtir
Olha, o vento no rosto
Olha, é um bem-te-vi
Olha o peixinho na água
Olha, o mar não tem fim
Olha onde anda, Ananda
Manda um beijinho pra mim

domingo, 3 de junho de 2012

Concerto no 1 - O meu pai encomendou uma canção para mim ou Sonata para piano, violino e caixa de fósforos


O meu pai encomendou
Uma canção para mim
Prometi lhe responder
Depois de dizer assim:
Garante que não será
Nada brega ou similar
E eu vou poder mostrar
Pros amigos, coisa e tal
Vou poder assoviar
E mostrar pro tio Dadau
Tio Fernando vai levar
Pro colégio estadual
Vó Maria vai cantar
Pra vizinha do quintal
Vô Felipe vai entortar
O bigode que não tem
Fuca vai cantarolar
Pra Mai Ana e pra Bebeli
Dindo Dico vai tragar
Junto com gole de Pepsi
Alan vai contrariar
E fazer um manifesto
Quem vai mais gostar, confesso
É a boadrasta Eloá
E o meu brother Guilhé
Pode até botar num rap
O meu pai encomendou
Uma canção para mim
Prometi lhe responder
Mas já vou dizendo SIM
Olha o breque!...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

canção pra ninar marina


marina nina tiago
marina nina farias
marina acorda de noite
marina dorme de dia
nina papai/ nina mamãe
ninguém perturbe a menina
o sol da tarde não irrita
só o barulho da vida
só o desconforto/ de ter saído
do quentinho da barriga
diz aí, papai/ diz aí, mamãe
quem tem mais belos cabelos?
quem é que adora um espelho?
diz aí, papai/ diz aí, mamãe
quem, sem modéstia, é uma linda?
quem é a mais fashion menina?


Canção dedicada à Nina, a filhinha linda dos meus amigos Marlla e Tiago.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

encontro

ela é uma menina, se materializa, e virá num rastro ao meu encontro.
é ela quem paira sobre a minha respiração.
eu fico apenas um sorriso quieto, no canto, enquanto o fenômeno acontece.
uma avalanche me encobre, levanta, é a menina movendo os olhos diretamente sobre mim.
é muita coisa acontecendo entre inspiração e respiração.
são meus soslaios para ver se ela ainda está por aí.
são meus lábios hesitando em soprar, em chamá-la pelo nome.
cara, eu penso enquanto espero ela olhar o meu olhar platônico satúrnico distante.
me faço o gelo ártico e eu não sei se ela sabe dos meus desejos de ser dela.
eu fico pensando nas coisas do seu redor.
acho bonito ser um garoto que se comove com a voz dela.
acho bonito explodir de desejo de que chegue o outro dia quando ela ainda estará aqui, seus cabelos movendo de um lado a outro.
porque não quero nada mais, só que ela esteja.
nem que ela fosse vampira, lambesse sangue, eu deixaria de querer o que quero.
nem que ela fosse bandida, procurada, fugidia.
mas que bom que ela é bem normal, quer dizer: vive, namora, trabalha, estuda, anda pelas ruas.
eu sei, eu que também vivo, ando, movimento minha mão direita buscando a esquerda dela.
é bom demais estar por aí, descobrir e redescobrir o jeans e outros detalhes da vida dela.
é bom ver seus pensamentos bem cadeadados e não saber nada deles.
vivo bem, recolhido no hemisfério norte da minha sandice.
dentro do globo terrestre da minha ignorância.
vivo melhor ainda esperando sentir o cheiro que vem dela.
e que virá num rastro ao meu encontro...

Junho/2011

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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Love doll: modelo D-1056

Sim, queria. Quando ela me disse que estava indo embora, eu quis apertar e torcer o seu pescoço alongado. Foi uma surpresa. Até antes daquela conversa, eu me achava. Nunca poderia passar pela minha cabeça que em algum dia, em algum lugar, ela poderia deixar de ME amar. Para mim a sua devoção incondicional e diária até o fim dos meus dias era algo tão certo e imperturbável quanto a lei da gravidade. Sabe quando a gente solta uma maçã e ela vai direto pro chão? (Um piano solto de um edifício ilustra melhor e tem maior impacto.) Mas o tempo passa. E aquela menina bela, de olhos grandes e negros, olhos que já foram a delícia dos meus dias, desviaram de seu curso normal. A ponto de ela secar ali tudo que tinha sentido um dia por mim. O vidro se quebrou. E os olhos que sempre me olharam com amor, paixão, cuidado, tornaram-se olhos que me olhavam sem saber onde focar. E ela chorou enquanto falava. Minto. Não quis torcer o seu pescoçinho bem feito, moreno. Não nesse instante. Quis, ao contrário, tocar o seu rosto, abraçar o seu corpo, beijar cada um dos seus dedos da mão, pedir que não fosse embora. Ainda não tinha tocado nela. Mas não me importei em pedir muito e insistentemente: “não vá”. NÃO. Repeti um bilhão de vezes: “Eu faço tudo que você quiser que eu faça”. “Eu faço tudo que você quiser que eu faça”. “Eu faço o que você quiser”. Prometi o que podia cumprir e o que não podia (e pensei que o que não pudesse, daria um jeito de fazê-lo). Não me arrastei pela sala, ou da sala até o quarto, ou do quarto até o inferno; não ajoelhei, não beijei seus pés. (Confesso que se adiantasse alguma coisa, teria feito isso e ainda mais). Sob meu mais dramático protesto, ela manteve sua resolução e se dirigiu à porta da rua, foi saindo. Devagar. Inabalável. Resolvida. Ela, sua mala de rodinhas, suas grandes pernas, seus cabelos cheirosos, sua fragrância de água de cheiro. Foi aí que eu me transformei. Uma revolução se passou dentro de mim. Puxei-a pelos seus cabelos longos com violência. Com o susto, ela caiu desengonçada diretamente em meus braços. Senti seu peso. Seu assombro e surpresa eram visíveis. Avancei até o pescoço macio e usei toda a força das minhas mãos e braços...

Ainda bem que ela é um modelo avançado, uma Doll D-1056. Ajustei sua programação, como ensina o manual, e reiniciei o sistema. Em alguns minutos, ela abriu os olhos. Depois sorriu para mim. Isso foi há um ano. Nunca mais ela voltou a dar problema.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Vinte anos

Marcelo não estava assim tão atrasado para aquele encontro. Velhos não vão a encontros, pelo menos não deveriam. A neta, de 16 anos, tira sarro: “Vovô está parecendo o Mel Gibson”. Ele rebate, humorado: “Negros não se parecem com brancos, meu amor. Se ainda fosse o Danny Glover ou o Sidney Poitier, vá lá”. A menina ficou perdida, Danny Glover... Danny Glover... Não fazia a mais remota idéia de quem era. Só conhecia o Mel Gibson por acaso, por causa de um velho filme que sua mãe assistia repetidas vezes. Marcelo era o tipo de homem determinado. Morava com a neta e o filho viúvo. Era professor aposentado. Um amante de filmes e de música. Não se cansava de procurar uma companhia para estar com ele nos seus dias restantes. Até à internet recorria. Afinal, pensava, estava inteiro, 70 anos recém completos. “Procuro senhora recatada para relacionamento sério”. Pôs diversos anúncios em jornal e sites de relacionamento. Para sua surpresa, encontrou essa mulher num cinema. Chamava-se Catarina. Ela pediu orientação: “O senhor sabe como eu faço para chegar à avenida ***”. Com endereço à mão, desistiu de chegar à tal avenida. E resolveu aceitar o convite do simpático senhor para um café. Não falta assunto a duas pessoas que se querem conhecer, jovens ou velhos. A conversa transcorreu bem. Neste primeiro dia, o cinema dominou a pauta, mas também miudezas sobre a cidade de Salvador, onde viviam. No encontro seguinte, puderam conhecer melhor um ao outro. Ele descobriu que Catarina, 62 anos, é uma arquiteta aposentada. Tem duas filhas e quatro netos. Passou por dois casamentos. Mora sozinha, depois da última separação há um ano e meio. Desde então, viajou com as filhas para a Itália, velho sonho. E toca sua vida, vai ao cinema, lê livros, passeia com as netas. É tão independente quanto sempre foi. Cuida da horta de casa, cozinha por prazer, organiza encontros com algumas amigas que sobreviveram aos anos. Marcelo gostou dela imediatamente. “Ela me pareceu educadíssima desde o primeiro momento. E muito tranqüila ao falar”. Começaram a se encontrar com regularidade. Com quatro meses, o maior atrevimento a que ele se permitiu com ela foi beijar sua mão na chegada e saída de cada encontro. Um dia, ele fez a pergunta a essa altura trivial: “Nos vemos na quinta?”. Sim, claro, foi o que ela respondeu. Mas ainda na quarta à noite, ela ligou desmarcando o encontro do dia seguinte. “Viajo amanhã para o Sul. Soube que vai nascer o meu primeiro bisneto. Quero estar presente para ajudar”. Ele quis saber quanto tempo ela ficaria fora. “Uma semana, dez dias no máximo”. Depois de longos vinte e dois dias, ela retornou. O aguardado bisneto nasceu, mas houve complicações que obrigou a equipe médica a ter certos cuidados nos primeiros dias. Quando tudo estava bem, Catarina pode retornar. Nesse período, ela falou ao telefone com Marcelo quase todos os dias, por e-mail, sempre. Com ela de volta à Salvador, marcaram de se reencontrar no mesmo café da primeira vez. Ele caprichou no visual, se perfumou. Foram a um café próximo ao cinema. Não era mais o mesmo filme em cartaz. Também eles estavam diferentes. Marcelo foi atrevido e pediu um abraço. Catarina acedeu. Foi um enlace terno, macio, demorado, aconchegante. Depois disso, o café, o cinema. Ele a levou em casa. Despediram-se e antes que ele fosse embora, ela olhou adiante e sorriu. “Acho que estamos namorando...”. Ele tomou suas mãos, beijou sobre os seus dedos, sorriu: “acho que sim”. Marcelo foi para casa e dormiu a sua melhor noite. Era como se voltasse a ter vinte anos.

[Agosto de 2009]